Urticária e angioedema: algoritmo de abordagem clínica
A urticária é uma causa frequente de lesões cutâneas pruriginosas e/ou angioedema, com lesões evanescentes e curso agudo ou crónico. O diagnóstico deve começar por uma história clínica detalhada, identificando fármacos, infeções, alimentos e estímulos físicos (frio, calor, pressão, exercício, contacto), bem como sinais de alarme (dor, duração superior a vinte e quatro horas, púrpura residual, febre). A avaliação dirige-se à confirmação clínica e à exclusão de diagnósticos alternativos, reservando exames laboratoriais para situações selecionadas.
O presente algoritmo propõe uma abordagem estruturada à urticária, ajudando a identificar os doentes que beneficiam de investigação complementar e de medidas terapêuticas escalonadas.
Transcrição do podcast
Avaliação inicial
O diagnóstico de urticária deve iniciar pela identificação de sinais e sintomas sugestivos. A urticária caracteriza-se por pápulas eritemato-pruriginosas, geralmente com palidez central, de tamanhos e formas variáveis, que podem confluir e são migratórias; cada lesão individual resolve em trinta minutos a vinte e quatro horas, sem equimoses ou pigmentação residual. O angioedema manifesta-se como tumefação súbita e pronunciada da derme profunda/tecido subcutâneo, de cor eritematosa ou da pele, com parestesias, queimor, aperto ou dor (mais do que prurido), e resolução lenta, até setenta e duas horas.
Classificação temporal
Após confirmação clínica, deve ser determinado o tempo de evolução: até seis semanas define urticária aguda; duração superior a seis semanas define urticária crónica. O padrão pode ser diário ou intermitente e recorrente.
Angioedema sem pápulas
Em angioedema recorrente sem pápulas, considerar exposição a inibidores da enzima de conversão da angiotensina. Outras classes com menor frequência, mas possíveis, incluem antagonistas dos recetores da angiotensina, gliptinas e inibidores da neprilisina. Se houver remissão dos sintomas após descontinuação do inibidor da enzima de conversão da angiotensina, esta ocorre habitualmente em dias (raramente até seis meses). Persistência de sintomas após suspensão do fármaco deve levantar suspeita de angioedema hereditário ou adquirido por deficiência do inibidor C1; indicar estudo de complemento C4, inibidor da esterase C1 e eventual análise genética, com referenciação a Imunoalergologia.
Sinais sistémicos
Na presença de febre recorrente inexplicada, artralgias ou mal-estar, considerar síndromes urticariformes autoinflamatórios. Nestes casos, solicitar hemograma, velocidade de sedimentação e proteína C reativa para rastreio de inflamação sistémica.
Vasculite urticariforme
Se as lesões individuais persistirem em média mais de vinte e quatro horas, suspeitar de vasculite urticariforme. Reforçam a hipótese: episódios persistentes (não evanescentes), lesões sensíveis/dolorosas (mais do que pruriginosas), púrpura ou coloração tipo hematoma residual, e sintomas associados como febre, mal-estar marcado, artralgias, hipertensão, proteinúria ou hematúria. Confirmada a suspeita, está indicada biópsia cutânea das lesões.
Formas induzíveis
Avaliar se as lesões são desencadeadas por estímulos físicos: urticária ao frio, calor, pressão, luz solar, aquagénica, colinérgica (calor, exercício ou suor), urticária de contacto e angioedema vibratório. A confirmação faz-se com testes de provocação padronizados. Se induzíveis, classificar como urticária crónica induzida; caso contrário, urticária crónica espontânea.
Diagnóstico diferencial
Na urticária aguda: dermatite atópica, dermatite de contacto, erupções medicamentosas, picadas de inseto, penfigoide bolhoso, eritema multiforme menor, reações a plantas, exantemas virais, síndrome auriculotemporal e síndrome de Sweet. Na urticária crónica: vasculite urticariforme, urticária papular, mastocitose, síndromes autoinflamatórias, deficiência do inibidor da esterase C1, lúpus eritematoso sistémico, erupção polimórfica da gravidez, síndrome hipereosinofílica e anafilaxia.
Investigação
Na urticária aguda, por ser geralmente autolimitada, não é necessária investigação adicional além de anamnese dirigida para identificar desencadeantes. Exceções: suspeita de alergia alimentar em doentes sensibilizados ou hipersensibilidade a medicamentos (sobretudo anti-inflamatórios não esteroides), em que se pode ponderar testes cutâneos por picada, doseamento de imunoglobulina épsilon específica para alergénios e prova de provocação oral sob supervisão.
Tratamento — primeira linha
A primeira linha consiste em anti-histamínicos H1 de segunda geração, em toma diária regular. Anti-histamínicos de primeira geração não devem ser usados rotineiramente devido a efeitos no sistema nervoso central. Se controlo insuficiente, a dose do anti-histamínico de segunda geração pode ser aumentada progressivamente até quatro vezes a dose habitual, com reavaliação a cada duas a quatro semanas. Após controlo, reduzir gradualmente. Em exacerbações graves, considerar cursos curtos e esporádicos de prednisolona oral (dose de resgate ~zero vírgula cinco miligramas por quilograma). Montelucaste pode ser adicionado em casos resistentes, reconhecendo evidência limitada.
Populações especiais
Em idade pediátrica, ponderar pesquisa e eventual tratamento de infeções parasitárias. Anti-histamínicos H1 de segunda geração indicados entre dois e onze anos incluem cetirizina, levocetirizina, loratadina e rupatadina, com ajuste posológico por idade e peso. Na gravidez e aleitamento, perante necessidade e após avaliação risco-benefício, preferir cetirizina ou loratadina.
Segunda linha
Se, apesar da otimização da primeira linha, o controlo sintomático permanecer insuficiente, considerar terapêuticas de segunda linha, como omalizumab ou ciclosporina, em doentes refratários e sob supervisão especializada.
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Casos clínicos
Casos clínicos — Urticária
Caso 1 — Urticária induzida por frio
Mulher de 24 anos com pápulas pruriginosas minutos após exposição a vento frio e ao segurar bebidas geladas; episódios resolvem em menos de 24 horas. Sem medicação. Qual o exame de confirmação mais adequado?
- IgE total
- Prick test com painel de inalantes
- Teste de provocação ao frio padronizado (p. ex., cubo de gelo/TempTest)
- Biópsia cutânea imediata
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Racional: As urticárias induzíveis confirmam-se com testes de provocação padronizados. IgE total e painéis de inalantes não confirmam este subtipo; biópsia não é exame de primeira linha em urticária típica evanescente.
Caso 2 — Urticária crónica espontânea não controlada
Homem de 38 anos com pápulas diárias há 8 semanas. Faz cetirizina 10 mg/dia com adesão adequada, mas mantém prurido e lesões. Sem sinais sistémicos. Qual o próximo passo terapêutico?
- Iniciar anti-histamínico de primeira geração à noite
- Aumentar gradualmente a dose do anti-histamínico H1 de segunda geração até 4× a dose habitual
- Prednisolona por 14 dias como manutenção
- Omalizumab de imediato como segunda linha
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Racional: A titulação do anti-H1 de 2.ª geração é o passo seguinte recomendado, com reavaliação em 2–4 semanas. Anti-H1 de 1.ª geração não é rotina; corticoterapia só em curtos cursos de resgate; omalizumab/ciclosporina ficam para refratários após otimização.
Caso 3 — Angioedema isolado sob IECA
Mulher de 62 anos com episódios de tumefação labial e lingual sem pápulas; usa enalapril há 6 meses. Sem prurido; cada episódio dura até 48–72 horas. Qual a melhor abordagem inicial?
- Aumentar a dose do anti-histamínico H1
- Suspender o IECA e reavaliar; se persistir, estudar C4 e inibidor da esterase C1
- Solicitar IgE total para excluir atopia
- Iniciar ciclosporina
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Racional: Angioedema sem urticas em utilizadores de IECA sugere mecanismo bradicinina-mediado. A suspensão do IECA é prioritária; se os episódios persistirem, investigar deficiência do inibidor da esterase C1 (hereditária/adquirida). IgE total não é útil; imunossupressores não são primeira linha aqui.
Mais casos clínicos em:
FAQ
Perguntas frequentes sobre Urticária
1) O que é urticária e como se distingue de angioedema?
2) Quando é aguda e quando é crónica?
3) Que sinais devem levantar suspeita de vasculite urticariforme?
4) Que exames pedir na urticária aguda?
5) E na urticária crónica — preciso de análises?
6) O que fazer no angioedema sem pápulas em doente sob IECA?
7) Há urticárias “induzíveis”? Como confirmar?
8) O IgE total é útil no diagnóstico?
9) Qual é o tratamento de primeira linha?
10) E durante exacerbações graves?
Pode considerar-se curso curto de prednisolona oral como terapêuti
Autoria e atualização
Autor: Filipe Cerca, MD
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