Algoritmo de abordagem ao diagnóstico diferencial das úlceras genitais

As úlceras genitais constituem um achado clínico relevante em contexto de infeções sexualmente transmissíveis. A avaliação deve iniciar-se pela caracterização da dor, seguida da análise da morfologia das lesões, do número de úlceras e das adenomegalias associadas. Entre as principais causas incluem-se o herpes genital, a sífilis primária, o cancróide, o linfogranuloma venéreo, o granuloma inguinal e as úlceras de Lipschütz.
O presente algoritmo propõe uma abordagem estruturada ao diagnóstico diferencial das úlceras genitais, orientando a seleção de exames complementares e a escolha da terapêutica adequada. A correta identificação da etiologia é essencial para o tratamento dirigido, a prevenção de complicações e a interrupção da cadeia de transmissão das IST.

Avaliação inicial

Perante uma úlcera na região ano-genital, o primeiro passo é determinar se a lesão é dolorosa ou indolor. Este critério orienta a suspeita diagnóstica e define a investigação subsequente.

Úlceras dolorosas

A presença de dor deve levantar diferentes hipóteses:

Herpes genital
A observação de vesículas agrupadas ou erosões superficiais que evoluem para úlceras sugere herpes genital. É uma infeção recorrente, marcada por dor intensa e sintomas locais. O tratamento pode ser feito com aciclovir ou valaciclovir, tanto na infeção primária como nas recorrências, havendo ainda a possibilidade de terapêutica supressiva em casos de recidivas frequentes. Durante a gravidez, o aciclovir é considerado seguro após o primeiro trimestre.

Úlceras de Lipschütz
Quando a dor surge de forma abrupta, associada a febre, mialgias, odinofagia ou outro quadro viral sistémico recente, deve ser considerada a hipótese de úlceras de Lipschütz. Estas ocorrem sobretudo em adolescentes e jovens adultas, frequentemente após infeções víricas como o vírus Epstein-Barr. São úlceras dolorosas, de grandes dimensões e com exsudado, causando acentuado desconforto. A abordagem é sintomática e pode incluir lidocaína tópica, corticoterapia tópica com clobetasol e, em casos graves, corticoterapia sistémica. Em situações refratárias, podem ser ponderados fármacos como colchicina, pentoxifilina ou dapsona, sob supervisão especializada.

Cancróide
A presença de uma úlcera dolorosa com base mole, aspeto necrótico ou purulento, bordos irregulares e adenomegalias inguinais dolorosas sugere cancróide. Embora rara em Portugal, esta infeção sexualmente transmissível deve ser considerada em contexto epidemiológico apropriado. O tratamento pode incluir azitromicina, ceftriaxone, ciprofloxacina ou eritromicina. Na presença de bubões inguinais flutuantes, pode ser necessária drenagem ou aspiração.

Úlceras indolores

Quando a lesão não é dolorosa, a avaliação deve ter em conta o número de úlceras e as características das adenomegalias.

Sífilis primária
A existência de uma úlcera única, indolor, de bordos endurecidos e base limpa é sugestiva de sífilis primária. Esta lesão, denominada cancro duro, pode passar despercebida e associa-se frequentemente a adenomegalias bilaterais, indolores e móveis. O tratamento de eleição é a penicilina benzatina. Em doentes alérgicos, podem ser usados doxiciclina, ceftriaxone ou, em último recurso, azitromicina.

Linfogranuloma venéreo
Se o doente apresentar adenomegalias dolorosas com flutuação, que surgem semanas após uma úlcera inicial discreta ou não identificada, deve ser considerado linfogranuloma venéreo. Esta infeção é causada por serovares invasivos de Chlamydia trachomatis. As adenomegalias são frequentemente unilaterais e dolorosas, podendo evoluir para bubões fistulizados. O tratamento é feito com doxiciclina, eritromicina ou azitromicina. Nos casos com flutuação, está recomendada a drenagem por aspiração.

Granuloma inguinal (Donovanose)
Uma úlcera extensa, indolor, de aspeto destrutivo e muito vascularizado sugere granuloma inguinal. O tratamento deve incluir azitromicina, doxiciclina, eritromicina ou trimetoprim-sulfametoxazol, mantido por pelo menos três semanas ou até resolução completa das lesões.

Avaliação complementar

Independentemente da suspeita clínica, deve ser realizada uma avaliação global: história clínica detalhada, exame físico completo, rastreio de outras infeções sexualmente transmissíveis e eventual referenciação a consulta especializada. Até prova em contrário, todas as úlceras genitais devem ser consideradas de etiologia infeciosa.

A investigação laboratorial deve incluir obrigatoriamente: VIH 1 e 2, HSV 1 e 2, hepatite B (VHB), teste treponémico e VDRL.

Tratamento do parceiro sexual

O parceiro sexual deve ser tratado mesmo que assintomático, exceto no caso de herpes genital, em que a terapêutica é recomendada apenas se houver sintomas.

Diagnóstico diferencial e tratamento empírico

O diagnóstico definitivo depende da investigação laboratorial. Nos casos em que persistem dúvidas no diagnóstico diferencial — particularmente entre sífilis e cancróide, ou entre linfogranuloma venéreo e granuloma inguinal — deve ser ponderado tratamento empírico dirigido a mais do que uma etiologia em simultâneo.

idade do quadro clínico.

Perguntas frequentes sobre Úlceras Genitais

1) Quais são as principais causas de úlceras genitais dolorosas?

As úlceras dolorosas podem ser causadas por herpes genital, cancróide ou úlceras de Lipschütz. O herpes apresenta vesículas agrupadas que evoluem para úlceras superficiais; o cancróide caracteriza-se por lesão de base mole, necrótica e purulenta, com adenomegalias dolorosas; as úlceras de Lipschütz surgem abruptamente após infeção viral sistémica.

2) E se a úlcera genital não for dolorosa?

As úlceras indolores sugerem sífilis primária, linfogranuloma venéreo ou granuloma inguinal. A sífilis apresenta úlcera única endurecida, com adenomegalias indolores; o linfogranuloma venéreo associa-se a adenomegalias dolorosas e flutuantes; o granuloma inguinal manifesta-se como lesão extensa, destrutiva e muito vascularizada.

3) Que exames devem ser realizados para confirmar o diagnóstico?

A confirmação é laboratorial. Devem ser realizados testes para VIH 1 e 2, HSV 1 e 2, hepatite B, além de teste treponémico e VDRL.

4) Qual é o tratamento do herpes genital?

O tratamento pode ser feito com aciclovir ou valaciclovir, tanto na infeção primária como nas recorrências. Nos casos de recidivas frequentes pode ser considerada terapêutica supressiva. O aciclovir é seguro durante a gravidez após o primeiro trimestre.

5) Como se tratam as úlceras de Lipschütz?

A abordagem é sintomática, incluindo lidocaína tópica e, em casos graves, corticoterapia tópica ou sistémica. Situações refratárias podem necessitar de fármacos especializados como colchicina ou dapsona.

6) Quais são as opções terapêuticas no cancróide?

O tratamento pode incluir azitromicina, ceftriaxone, ciprofloxacina ou eritromicina. Na presença de bubões inguinais com flutuação, pode ser necessária drenagem ou aspiração.

7) Qual o tratamento da sífilis primária?

O tratamento de eleição é a penicilina benzatina intramuscular em dose única. Em casos de alergia, podem ser utilizadas alternativas como doxiciclina ou ceftriaxone.

8) Como tratar o linfogranuloma venéreo?

A terapêutica inclui doxiciclina, eritromicina ou azitromicina, geralmente por períodos prolongados. Nos casos com bubões flutuantes, recomenda-se drenagem por aspiração.

9) E no caso do granuloma inguinal?

O tratamento deve durar pelo menos 21 dias, até resolução completa. As opções incluem azitromicina, doxiciclina, eritromicina ou trimetoprim-sulfametoxazol.

10) Deve o parceiro sexual também ser tratado?

Sim. O parceiro deve ser tratado, mesmo que assintomático, exceto no herpes genital, onde o tratamento só é recomendado se houver sintomas.

11) Quando considerar tratamento empírico combinado?

Em situações de dúvida diagnóstica — por exemplo, entre sífilis e cancróide ou entre linfogranuloma venéreo e granuloma inguinal — pode ser justificada a terapêutica empírica dirigida a mais de uma etiologia em simultâneo.

Autor: Filipe Cerca, MD


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