Algoritmo de abordagem ao diagnóstico diferencial das úlceras genitais
As úlceras genitais constituem um achado clínico relevante em contexto de infeções sexualmente transmissíveis. A avaliação deve iniciar-se pela caracterização da dor, seguida da análise da morfologia das lesões, do número de úlceras e das adenomegalias associadas. Entre as principais causas incluem-se o herpes genital, a sífilis primária, o cancróide, o linfogranuloma venéreo, o granuloma inguinal e as úlceras de Lipschütz.
O presente algoritmo propõe uma abordagem estruturada ao diagnóstico diferencial das úlceras genitais, orientando a seleção de exames complementares e a escolha da terapêutica adequada. A correta identificação da etiologia é essencial para o tratamento dirigido, a prevenção de complicações e a interrupção da cadeia de transmissão das IST.
Transcrição do podcast
Avaliação inicial
Perante uma úlcera na região ano-genital, o primeiro passo é determinar se a lesão é dolorosa ou indolor. Este critério orienta a suspeita diagnóstica e define a investigação subsequente.
Úlceras dolorosas
A presença de dor deve levantar diferentes hipóteses:
Herpes genital
A observação de vesículas agrupadas ou erosões superficiais que evoluem para úlceras sugere herpes genital. É uma infeção recorrente, marcada por dor intensa e sintomas locais. O tratamento pode ser feito com aciclovir ou valaciclovir, tanto na infeção primária como nas recorrências, havendo ainda a possibilidade de terapêutica supressiva em casos de recidivas frequentes. Durante a gravidez, o aciclovir é considerado seguro após o primeiro trimestre.
Úlceras de Lipschütz
Quando a dor surge de forma abrupta, associada a febre, mialgias, odinofagia ou outro quadro viral sistémico recente, deve ser considerada a hipótese de úlceras de Lipschütz. Estas ocorrem sobretudo em adolescentes e jovens adultas, frequentemente após infeções víricas como o vírus Epstein-Barr. São úlceras dolorosas, de grandes dimensões e com exsudado, causando acentuado desconforto. A abordagem é sintomática e pode incluir lidocaína tópica, corticoterapia tópica com clobetasol e, em casos graves, corticoterapia sistémica. Em situações refratárias, podem ser ponderados fármacos como colchicina, pentoxifilina ou dapsona, sob supervisão especializada.
Cancróide
A presença de uma úlcera dolorosa com base mole, aspeto necrótico ou purulento, bordos irregulares e adenomegalias inguinais dolorosas sugere cancróide. Embora rara em Portugal, esta infeção sexualmente transmissível deve ser considerada em contexto epidemiológico apropriado. O tratamento pode incluir azitromicina, ceftriaxone, ciprofloxacina ou eritromicina. Na presença de bubões inguinais flutuantes, pode ser necessária drenagem ou aspiração.
Úlceras indolores
Quando a lesão não é dolorosa, a avaliação deve ter em conta o número de úlceras e as características das adenomegalias.
Sífilis primária
A existência de uma úlcera única, indolor, de bordos endurecidos e base limpa é sugestiva de sífilis primária. Esta lesão, denominada cancro duro, pode passar despercebida e associa-se frequentemente a adenomegalias bilaterais, indolores e móveis. O tratamento de eleição é a penicilina benzatina. Em doentes alérgicos, podem ser usados doxiciclina, ceftriaxone ou, em último recurso, azitromicina.
Linfogranuloma venéreo
Se o doente apresentar adenomegalias dolorosas com flutuação, que surgem semanas após uma úlcera inicial discreta ou não identificada, deve ser considerado linfogranuloma venéreo. Esta infeção é causada por serovares invasivos de Chlamydia trachomatis. As adenomegalias são frequentemente unilaterais e dolorosas, podendo evoluir para bubões fistulizados. O tratamento é feito com doxiciclina, eritromicina ou azitromicina. Nos casos com flutuação, está recomendada a drenagem por aspiração.
Granuloma inguinal (Donovanose)
Uma úlcera extensa, indolor, de aspeto destrutivo e muito vascularizado sugere granuloma inguinal. O tratamento deve incluir azitromicina, doxiciclina, eritromicina ou trimetoprim-sulfametoxazol, mantido por pelo menos três semanas ou até resolução completa das lesões.
Avaliação complementar
Independentemente da suspeita clínica, deve ser realizada uma avaliação global: história clínica detalhada, exame físico completo, rastreio de outras infeções sexualmente transmissíveis e eventual referenciação a consulta especializada. Até prova em contrário, todas as úlceras genitais devem ser consideradas de etiologia infeciosa.
A investigação laboratorial deve incluir obrigatoriamente: VIH 1 e 2, HSV 1 e 2, hepatite B (VHB), teste treponémico e VDRL.
Tratamento do parceiro sexual
O parceiro sexual deve ser tratado mesmo que assintomático, exceto no caso de herpes genital, em que a terapêutica é recomendada apenas se houver sintomas.
Diagnóstico diferencial e tratamento empírico
O diagnóstico definitivo depende da investigação laboratorial. Nos casos em que persistem dúvidas no diagnóstico diferencial — particularmente entre sífilis e cancróide, ou entre linfogranuloma venéreo e granuloma inguinal — deve ser ponderado tratamento empírico dirigido a mais do que uma etiologia em simultâneo.
idade do quadro clínico.
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FAQ
Perguntas frequentes sobre Úlceras Genitais
1) Quais são as principais causas de úlceras genitais dolorosas?
2) E se a úlcera genital não for dolorosa?
3) Que exames devem ser realizados para confirmar o diagnóstico?
4) Qual é o tratamento do herpes genital?
5) Como se tratam as úlceras de Lipschütz?
6) Quais são as opções terapêuticas no cancróide?
7) Qual o tratamento da sífilis primária?
8) Como tratar o linfogranuloma venéreo?
9) E no caso do granuloma inguinal?
10) Deve o parceiro sexual também ser tratado?
11) Quando considerar tratamento empírico combinado?
Autoria e atualização
Autor: Filipe Cerca, MD
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