Rastreio de alergia: abordagem diagnóstica
As manifestações alérgicas são uma causa frequente de sintomas respiratórios, cutâneos e digestivos. O diagnóstico deve começar por uma história clínica detalhada, seguida da seleção adequada de testes cutâneos ou laboratoriais. Entre os métodos disponíveis, destacam-se o Prick test e a determinação de IgE específicos ou em painéis, usados para confirmar sensibilização a inalantes ou alimentos.
O presente algoritmo propõe uma abordagem estruturada ao rastreio de alergia, ajudando a identificar os doentes que beneficiam de investigação complementar, de medidas de evicção e, quando indicado, de imunoterapia. A correta seleção de testes permite otimizar recursos e evitar pedidos desnecessários.
Transcrição do podcast
Avaliação inicial
Perante história clínica sugestiva de doença alérgica, inicia-se o rastreio estruturado. Considerar sintomas respiratórios/oculares (asma, rinite, conjuntivite), manifestações alimentares (dor abdominal, vómitos, diarreia, recusa alimentar, atraso ponderoestatural, eczema), reações a fármacos, látex e venenos de himenópteros. Confirmar relação temporal com exposição e doenças diferenciais.
Testes cutâneos por picada (Prick test)
Se disponíveis e sem contraindicações, o Prick test é o primeiro passo. Um resultado positivo, quando congruente com a história, confirma sensibilização e orienta medidas de evicção e eventual imunoterapia. Se negativo mas a suspeita clínica se mantém, prosseguir com IgE específicos. Quando o Prick test está indisponível ou contraindicado, preferir testes laboratoriais.
Quando evitar o Prick test
Evitar quando é indispensável manter anti-histamínicos/antidepressivos tricíclicos, existe dermatose extensa/dermografismo ou há risco elevado de reação anafilática ao alergénio. Nestes cenários, utilizar IgE específicos séricos.
Painéis de IgE específicos (rastreio laboratorial)
Phadiatop (inalantes): mistura de ácaros, epitélios de animais, fungos e pólenes; útil como rastreio de atopia respiratória.
Fx5 (alimentares): mistura de alergénios alimentares comuns (ex.: ovo, leite, peixe, trigo, amendoim, soja); útil no rastreio de alergia alimentar. O reporte é qualitativo/semi-quantitativo com limiar habitual de 0,35 PAU/l.
Interpretação dos painéis
Valores acima do limiar sugerem atopia/sensibilização; classes crescentes (1–6) refletem maior probabilidade clínica. Painel positivo direciona a seleção de IgE específicos isolados por grupo de alergénios. Painel negativo com forte suspeita clínica exige reavaliação (outros diagnósticos, repetição sazonal ou método alternativo).
IgE específicos isolados — indicações
Pedir para: confirmar diagnóstico quando a história é convincente; orientar medidas de evicção; impossibilidade de realizar Prick test; Prick test negativo com elevada suspeita; confirmação antes de imunoterapia; monitorização de tolerância (alergia alimentar) ou resposta a dessensibilização. Selecionar 1–2 alergénios por grupo, ajustados à história e ao contexto epidemiológico.
IgE total — quando pedir
Não indicado no rastreio de rotina de alergia respiratória ou alimentar. Reservar para situações particulares: avaliação/seguimento de aspergilose broncopulmonar alérgica, determinação da dose inicial de omalizumab e síndromes de hiper-IgE.
Conclusão
Percurso recomendado: história clínica ➝ Prick test (se possível) ➝ painéis de IgE para rastreio (Phadiatop/Fx5) ➝ IgE específicos isolados conforme indicação; reservar IgE total para casos particulares. Esta sequência padroniza o diagnóstico, evita exames indiscriminados e apoia decisões sobre evicção e imunoterapia.
Algoritmos relacionados
Casos clínicos
Casos clínicos — Rastreio de alergia
Caso 1 — Rinoconjuntivite sazonal numa criança
Criança de 5 anos com rinorreia aquosa, espirros e prurido ocular na primavera. Ao exame: mucosa nasal pálida. Não toma medicação. Qual o próximo passo mais adequado para confirmar sensibilização?
- Pedir IgE total
- Pedir Phadiatop (painel de inalantes)
- Realizar Prick test para ácaros e pólenes
- Iniciar corticoterapia intranasal sem investigação
Ver resposta
Racional: Quando disponível e sem contraindicações, o Prick test é o primeiro passo na suspeita de alergia respiratória. IgE total não rastreia alergia; o Phadiatop é alternativa quando o Prick está indisponível/contraindicado.
Caso 2 — Suspeita de alergia alimentar com limitação ao Prick
Adulto com prurido orofaríngeo e urticária minutos após ingestão de amendoim. Necessita de manter anti-histamínicos por doença concomitante. Qual o melhor exame de primeira linha?
- IgE total
- IgE específicos séricos (amendoim)
- Painel Phadiatop
- Teste de provocação oral direto sem exames prévios
Ver resposta
Racional: Se o Prick test está contraindicado/indisponível (ex.: impossível suspender anti-histamínicos), deve-se pedir IgE específicos do alergénio suspeito. Painéis de inalantes não servem para alergia alimentar; IgE total não é útil no rastreio de rotina.
Caso 3 — Interpretação de painel e próximo passo
Doente com rinite perene. Painel de inalantes (Phadiatop) positivo (≥0,35 PAU/L). Qual o passo seguinte mais útil?
- IgE total para quantificar atopia
- Solicitar IgE específicos isolados dirigidos (ex.: Dermatophagoides, pólens relevantes)
- Repetir o mesmo painel em 1 semana
- Concluir diagnóstico definitivo apenas com o painel
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Racional: Painel positivo indica atopia e orienta a seleção de IgE específicos para confirmar sensibilização clinicamente relevante. IgE total não acrescenta valor no rastreio de rotina.
Mais casos clínicos em:
FAQ
Perguntas frequentes sobre Doença Alérgica (rastreio e testes)
1) Quando devo optar por Prick test em vez de análises?
2) Em que situações devo pedir painéis de IgE (Phadiatop/Fx5)?
3) Como interpreto um painel de mistura positivo?
4) O IgE total é útil no rastreio?
5) Quando o Prick test está contraindicado?
6) Como escolher IgE específicos isolados?
7) Prick test negativo mas suspeita clínica forte: o que fazer?
8) Diferenças entre crianças e adultos na alergia alimentar?
9) Como preparar o doente para Prick test?
10) Quando considerar imunoterapia específica?
Autoria e atualização
Autor: Filipe Cerca, MD
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