Avaliação inicial
Na interpretação clínica da prova de esforço, o primeiro passo é verificar se existem contraindicações absolutas. Se presentes — enfarte agudo do miocárdio <48 h, angina instável de alto risco, arritmias sintomáticas não controladas, estenose aórtica severa sintomática, insuficiência cardíaca descompensada, embolia pulmonar, dissecção aórtica aguda, miocardite ou pericardite aguda — a prova deve ser suspensa. Nestes casos, considerar exames alternativos como cintigrafia de perfusão, ecocardiograma de esforço ou angiotomografia coronária.
Nas contraindicações relativas (estenose aórtica moderada, distúrbios eletrolíticos, HTA ≥200/110 mmHg, taqui/bradiarritmias significativas, CMH obstrutiva, BAV de alto grau, limitações físicas/mentais) deve ser ponderado o adiamento ou substituição do teste até estabilização clínica.
Limitações à precisão diagnóstica
A prova de esforço tem menor fiabilidade em mulheres (mais falsos positivos), idosos, doentes com ECG basal não interpretável (BRE, pacemaker), sob terapêutica com beta-bloqueadores ou outros cronotrópicos negativos, em doença coronária multivaso e em utentes com limitações físicas (obesidade, patologia osteoarticular). Nestas situações, deve ser considerada a realização de testes com imagem.
Influência de fármacos
Beta-bloqueadores
Reduzem a frequência cardíaca e a carga isquémica, originando falsos negativos e testes submáximos.
Bloqueadores dos canais de cálcio (ex.: verapamil)
Diminuem a frequência cardíaca e promovem vasodilatação, mascarando sintomas.
Nitratos
Podem atenuar sinais e sintomas de isquemia.
Antiarrítmicos
Alteram o traçado do ECG e dificultam a interpretação.
Digoxina
Provoca depressão do segmento ST em “asa de pardal”, associada a falsos positivos.
Diuréticos e insulina
Diuréticos podem induzir alterações eletrolíticas; insulina pode causar hipoglicemia, confundindo sintomas com isquemia.
Alterações basais do ECG
Determinados padrões inviabilizam ou limitam a interpretação: bloqueio completo do ramo esquerdo, ritmo de pacemaker, síndrome de pré-excitação, hipertrofia ventricular esquerda com repolarização secundária, uso de digoxina e repolarização inespecífica marcada. Nestes casos, preferir testes complementares com imagem.
Avaliação da capacidade funcional
É estimada em METs, através das fórmulas preditivas: 14,7 − 0,11 × idade (homem); 14,7 − 0,13 × idade (mulher). Considera-se capacidade preservada quando o valor obtido é igual ou superior ao previsto. Capacidade inferior a 7 METs nos homens ou a 5 METs nas mulheres associa-se a prognóstico reservado.
Resposta hemodinâmica
Frequência cardíaca: alvo ≥85% da máxima teórica (220 − idade). A incapacidade de atingir este valor define incompetência cronotrópica, que pode traduzir disfunção autonómica, bloqueio nodal ou efeito farmacológico.
Pressão arterial: uma descida da pressão sistólica ≥10 mmHg durante o esforço sugere disfunção ventricular ou obstrução hemodinâmica. Resposta hipertensiva ≥210 mmHg no homem ou ≥190 mmHg na mulher associa-se a maior risco cardiovascular futuro.
Resposta eletrocardiográfica
Critérios de isquemia: depressão do segmento ST ≥1 mm (horizontal ou descendente), medida 80 ms após o ponto J em ≥2 derivações contíguas; elevação do ST ≥1 mm em derivações sem onda Q sugere isquemia transmural ou espasmo coronário.
Mau prognóstico: depressão do ST >2 mm, envolvimento de ≥5 derivações, início precoce (<6 min) ou persistência >6 min na recuperação. Arritmias induzidas pelo esforço, como taquicardia ventricular não sustentada ou fibrilhação auricular rápida, também são de risco acrescido.
Sintomas clínicos
Devem ser valorizados sintomas como angina típica, dispneia limitante, tonturas, lipotímia ou síncope, que podem indicar isquemia, disfunção ventricular ou arritmias graves. A ausência de sintomas não exclui doença coronária e deve ser integrada com os restantes dados.
Fase de recuperação
Uma descida da frequência cardíaca ≥12 bpm no primeiro minuto é considerada normal; valores inferiores sugerem disfunção autonómica e pior prognóstico. A persistência da depressão do segmento ST >6 min indica isquemia extensa ou difusa. Devem ainda ser avaliadas a estabilidade hemodinâmica, a presença de sintomas persistentes e eventuais arritmias.
Classificação final
Prova negativa: boa capacidade funcional, ausência de sintomas e ECG normal — baixo risco, sem necessidade de investigação adicional.
Prova positiva: alterações do ST, sintomas típicos com alterações no ECG, baixa capacidade funcional ou critérios de mau prognóstico. Deve ser calculado o score de Duke (tempo de exercício − [5 × grau de angina] − [4 × descida do ST, mm]) para estratificação de risco.
Prova inconclusiva: ECG basal não interpretável, carga submáxima, sintomas vagos ou interferência farmacológica. Deve ser repetida ou substituída por teste com imagem.
Achados não isquémicos de alto risco: arritmias ventriculares, bloqueios avançados, hipotensão, má recuperação da frequência cardíaca ou síncope — requerem referenciação urgente.
Interrompida precocemente: por sintomas limitantes, instabilidade hemodinâmica, arritmias graves, claudicação ou problemas técnicos — deve ser considerada investigação adicional, incluindo exames de imagem ou coronariografia, consoante o risco global.